Semana 25 (desenho 183) - Janela do Atelier

Muito feliz de ter o atelier para trabalhar. Este foi o primeiro registro do que vejo pela janela que dá para a rua. Nela, vejo as poucas pessoas circulando, com máscara, sem, com cachorro, sem, com filhos, sem, com alguém, sem.

"A janela é espelhada, então algumas pessoas às vezes param, tiram foto, se arrumam, se olham, sorriem ou ignoram completamente. Gosto de olhar essas reações.


O que eu desenho não é exactamente aquilo que eu vejo. E é neste intervalo que se encontra a arte.
Pois ver, o acto puro de ver, não é nada mais do que um mecanismo frio de acção e reacção. Com a maneira de ver aparece o estilo e com o estilo surge a pessoa.
Alguém está à janela. Alegoria deste enquadramento que oferece sobre o mundo um ponto de vista pessoal, em todo o caso, único.

Bela Tarr o cineasta húngaro, ponctua cada um dos seus filmes com esta imagem alegórica do homem frente, ou por detrás de uma janela. O plano que abre o seu filme Damnação é significativo do seu fascínio pelas janelas.

Um contramovimento, a câmara que vai num sentido enquanto que o movimento segue o sentido inverso. O que permite sugerir que face a uma janela, temos uma escolha a fazer, múltiplas escolhas na verdade.
Esta janela fecha-nos o acesso ao mundo, ao limitar a
perspectiva a este único ponto de vista? Ou ao contrário constitui uma abertura capaz de restituir o corpo do mundo através da visibilidade que temos?

Será que esta janela nos oferece um estilo, e portanto uma personalidade e mesmo uma alma capazes de receber a verdade ou será que devemos nos resignar a aceitar que ela é somente uma maneira pessoal de delirar ou de alucinar aquilo que por natureza nos escapa por entre os dedos?
A janela é esta fronteira radical colocada entre nós e as coisas visíveis. O que fará com que Jacques Rancière (1940), comentando este plano de abertura do filme Damnação, diga que existem duas maneiras de olhar através de uma janela. A primeira, relativa, pela qual eu instrumentalizo o visível, a segunda, absoluta, que dá ao visível o tempo de imprimir em mim os seus efeitos
Desenhar obriga-nos a avançar em equilíbrio sobre esta fronteira-janela para que nasça a nossa maneira de ver."


Texto de Berta Ehlrich







Inspirada nos desenhos de Pedro Paixão

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