Desenho 197 - Retratos RSI (Real - Simbólico - Imaginário)

 RSI: Real Simbólico Imaginário


Interpretação da professora Berta Elrhich:

As palavras têm um sentido, mas têm também uma origem, uma fonte e um destino. Estes três retratos estão ilustrados por palavras. 

 
Retrato REAL

Para o real a língua escolhida é o português. A língua (“lalangue”) mais carnal, mais próxima do osso. A citação é de S. Tomás de Aquino, que a redigiu ele próprio em latim. Trata-se, portanto, de uma traducção e é significativo que o real necessite de uma traducção. O real não se pode dar tal como é, ele escapa-nos sempre na sua forma original e para ter acesso ao que ele é, precisamos de uma mediação. A passagem do latim ao português imita a passagem do real à realidade. Trata-se das palavras de um teólogo. Uma palavra sagrada. E o que ela descreve não é outra coisa que a preeminência da percepção e da revelação (o que eu vi e o que me foi revelado) sobre a representação (o que eu escrevi). O que este retrato murmura é esta dificuldade essencial de confrontar o real.
Que ele seja figurado enquadrado pelas perfurações do filme fotográfico desvela o mecanismo em acção. E a obrigação de passar pela representação para revelar a verdade. Aliás uma moldura encontra-se no seio da moldura. O que este retrato traduz é uma espécie de fadiga, de frustração face à impossibilidade ou à inacessibilidade do real.
Uma forma repete-se, pode ser uma folha, uma estrutura natural minimal, um fragmento de real. Este real que se encontra na moldura impede também a boca de falar, de dizer seja o que for. Obstrucção do real que sela a palavra simbólica. Os olhos por sua vez falam, dizem as paisagens e os horizontes reais atravessados, antevistos, antecipados. A ilustração de S. Tomas é pertinente. Poderíamos reformula-la assim, o que pude dizer não é nada comparado ao que vi.

A citação que ilustra o retrato simbólico é de Rimbaud. Não se trata de uma traducção, ela é transcrita na sua língua de origem, o francês. Que o simbólico não passe por uma traducção, é uma verdade.
Reina aliás neste retrato uma atmosfera de equilíbrio, de harmonia. Este retrato parece ter encontrado o seu lugar, exprime esta jubilação de estar correctamente posicionado.
O calor do rosa e o frio do azul conjugam-se e equilibram-se. As linhas são claras e precisas, o rosto está de frente e habita o seu lugar em equilíbrio.
O poema de Rimbaud chama-se Eternidade. A eternidade transborda a temporalidade, não se inscreve em nenhuma cronologia, não faz parte da história.
Trata-se de um retrato que escapa à tirania do tempo que passa, que traduz a alegria de ter um lugar, um espaço, uma estructura mas que não se prende a nenhum momento.  O que este retrato desvenda é fora do tempo ao mesmo tempo que possui uma forma e um halo cromático ideal, perfeito. Tu sabes o teu lugar e a tua direcção mas renuncias a inscrever o que tu és numa cronologia. Este retrato confirma o que o retrato real tenta sugerir. O desejo de existir pela graça do que o olhar é capaz de ver, para além dos limites do que é possível dizer, no lugar onde o mar e o sol fusionam.
Os gnósticos cristãos têm uma sentença para ilustrar este recurso ao simbólico. Vós estais no mundo, mas não sois do mundo.


Retrato SIMBÓLICO

O retrato imaginário é também uma traducção. Como o retrato real. Mas enquanto que o real ia de uma língua morta à língua viva, materna, o imaginário parte do russo para ir para o espanhol. O imaginário é o lugar das confusões, das ambiguidades, mas também das reparações. A citação é de Pasternak, poeta e escritor dissidente, portanto excluído. Pasternak é o autor do Doutor Jivago que é a história de uma decepção e de um retiro, o Doutor  Jivago retira-se das falsas esperanças da vida real para se refugiar na poesia. Este retrato imaginário é o da necessidade, do desejo de retiro, a eternidade do retrato simbólico deixa o lugar à prisão do tempo.
Os olhos tão terrivelmente abertos nos dois primeiros retratos fecham-se, eles tornam-se “eyes wide shut” para o dizer à maneira do Kubrick, qualquer coisa insiste para que as pálpebras se abram enquanto que em volta do rosto que se fecha um fogo queima, uma coroa de fogo que só pode traduzir a intensidade do sentir emocional. O retrato imaginário, aquele através do qual tu traduzes o que sentes de ti, é aqui o mais doloroso, o mais difícil, o mais conflictuoso.
A língua para o dizer é ela própria confusa, semelhante às línguas misturadas da torre de Babel, a confusão encontramo-la também na dificuldade em fazer face à realidade (que é o imaginário pois tu és em realidade aquela que tu crês ser) e o desejo de partir em direcção à eternidade, o sonho, a justa relação entre o simbólico e o real.

Retrato IMAGINÁRIO



Imagens do processo

Interp





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